Campanha de solidariedade pelo NÃO ao referendo

Campanha de Solidariedade com o povo Kurdo e a esquerda turca e por um NÃO ao referendo de alteração constitucional na Turquia.

Devido ao alarmante estado de repressão política e social em que se encontra o Estado Turco e as repetidas práticas antidemocráticas que estão a ser impostas pelo governo do AKP contra partidos políticos, organizações sociais e pessoas civis que se opõem à viragem autoritária e    belicosa do seu governo, desejamos lançar uma campanha de informação e solidariedade com as vitimas desta ditadura encoberta e contra a guerra que está a levar o regime de Erdogan contra o povo Kurdo e a esquerda turca.

O “Informe sobre a violação de Direitos Humanos na região este e sudeste de Anatólia” redigido pela Associação de Direitos Humanos (Insan Haklari Dernegi) ressalta a escalada crescente de violência no sudeste de Anatólia desde Julho de 20015, que coincide com a perda de maioria absoluta do partido AKP nas eleições de Junho de 2015 [1] e com o aumenta da actividade dos movimentos civis na região. A referida escalada de violência e repressão.

Dita escalada de violência e repressão agravou-se desde o falhado golpe de Estado de 15 de Julho de 2016, sustentada legalmente pelo estado de exceção que cumpre já 7 meses de duração e que facilita a violação sistemática dos Direitos Humanos (aprisionamentos, prisões massivas, torturas, assassinatos, desaparecimentos, maus-tratos a civis) mantendo o país numa incerteza política e social.

Segundo os dados do relatório no passado ano de 2016 esta associação registou 1757 civis mortos e 2096 feridos graves, 8574 casos de civis presos e dos quais 190 eram menores de idade. As prisões produzidas depois do golpe de estado estão sujeitas ao Estado de Emergência o qual permite as detenções até 1 mês de duração, sem a obrigação de comunicar à pessoa detida os motivos da sua prisão e sem a obrigação de comunicar aos familiares e advogados o lugar da sua prisão. Assim se registaram 647 casos de tortura e maus tratos, 1103 violações de direitos humanos nas prisões e pelo menos meio milhão de pessoas foram vítimas de deslocamentos forçados devido ao recolher obrigatório proclamado nos bairros e povos do sudeste de Anatólia [2].

Com a desculpa do golpe de estado falhado o aparelho repressivo governamental levou a cabo purgas massivas contra todos aqueles que se opõem à ideologia e prática política do governo de Erdogan. O resultado foi a expulsão de 130.000 funcionários e pessoal da administração pública [3], os quais não só ficaram sem emprego como enfrentam julgamentos por suposta cumplicidade com o golpe de estado. Estas purgas afetaram de maneira especialmente dura o sistema educativo com a expulsão de 5000 professores e académicos, aos quais adicionalmente lhes foi retirado o passaporte. A liberdade de expressão na imprensa também está a ser atacada sistematicamente com o aprisionamento de mais de 140 jornalistas e o fecho de várias dezenas de meios de comunicação.

A repressão foi descaradamente dirigida à oposição política parlamentar representada pelo partido HDP (Partido Democrático dos Povos) com graves consequências para o sistema democrático do país. Mais de 3000 membros e cargos políticos do HDP foram presos, aos quais à que acrescentar milhares de detidos e processados por serem simpatizantes [4]. Dos 3000 presos, mais de 80 pessoas são copresidentes de vários municípios e 12 são deputados, todos são cargos eleitos pelos povos através do sistema de eleições democráticas. Foi-lhes retirada a imunidade parlamentar própria do seu cargo, através de uma sentença claramente anticonstitucional pelo Supremo Tribunal de Justiça no passado dia 22 de Setembro de 2016. Denunciamos também a prisão dos dois copresidentes do partido, Selahati Demirtas (5 meses de prisão) e Figen Yüksekova (10 meses de prisão) ambos cabeças do partido, adicionalmente a copresidenta viu revogado o seu cargo parlamentar sob a alegação de
“propaganda terrorista” uma sentença anticonstitucional e antidemocrática [5].

A repressão ao partido HDP não é casual nem arbitrária, visto que o partido declarou a sua intenção de fazer campanha pelo NÃO à mudança constitucional que transformaria o
sistema parlamentar turco num sistema presidencialista e que será submetido a votação no próximo dia 16 de Abril, num referendo. Esta mudança constitucional trás consigo um prejuízo do sistema democrático, dando poderes amplos ao Presidente da República, fazendo desaparecer a figura de Primeiro-Ministro e substituindo-a por um ou vários vicepresidentes. Entre os poderes que alcançaria o presidente estará a poder de ter o poder executivo nas suas mãos, nomear e revogador ministro, promulgar decretos, declarar o estado de emergência, ter a possibilidade de liderar um partido político, o poder de suspender unilateralmente o Parlamento eleito e o direito de eleger 1/3 dos membros do Tribunal Constitucional, órgão máximo da justiça do Estado. Adicionalmente as associações judiciais perderiam o poder de eleger parte dos membros do conselho supremo. Assim mesmo, Erdogan atual presidente da República Turca, depois de 12 anos no poder (primeiro como primeiro-ministro e desde 2014 como presidente da República) poderia manter-se no poder até mais 10 anos a contar do fim do seu mandato em 2019.

A campanha pública pelo NÃO ao referendo foi brutalmente atacada como vemos com a repressão sofrida por activistas e representantes políticos opostos à mudança constitucional. As organizações receiam uma manipulação das votações no referendo que se realizada no próximo dia 16 de Abril, pelo que o HDP faz um chamamento a advogados, activistas, políticos e individualidades que desejem participar como observadores internacionais para assegurar a transparência da votação. [6]

Por tudo o que foi exposto anteriormente:

– Exigimos a libertação dos presos políticos na Turquia, o respeito pelos Direitos Humanos, o fim das torturas sistemáticas a pessoas presas assim como o fim da dispersão de presos.

– Exigimos a readmissão de todas as pessoas expulsas dos seus postos de trabalho e que uma comissão internacional assegure julgamentos imparciais e justos.

-Declaramos publicamente o nosso apoio às organizações que estão a favor da democracia e paz entre nações dentro do estado turco (HDP, BDP, TJA, DTK)

– Declaramos publicamente o nosso apoio à campanha pelo NÃO no referendo de alteração constitucional, visto que a sua aprovação converteria o atual regime autoritário numa
ditadura de facto.

Assim, exigimos que até existirem alterações para a melhoria do sistema democrático e o fim da violência brutal contra a oposição na Turquia, o governo do Estado Espanhol assim como todos os partidos políticos e organizações ponham um fim as relações diplomáticas e comerciais com o governo turco e expressem publicamente a sua rejeição às políticas repressivas e antidemocráticas que está a realizar o partido conservador AKP com a ajuda do partido ultranacionalista MHP, pois esta hipócrita Europa enche a boca a falar de democracia quando consentem e apoiam a governos que têm práticas claramente ditatoriais
para guardar as suas fronteiras e continuar os seus lucrativos negócios mercantis, como é o caso do regime de Erdogan na Turquia.

Chamamos a todas as organizações, colectivos e pessoas individuais a que se solidarizem com o povo Kurdo e a esquerda turca, denunciando a deriva autoritária e as violações sistemáticas dos direitos humanos que estão a ser perpetuados no estado turco e que a UE através de tratados comerciais e com o fecho das fronteiras que deixa num país perigoso e hostil milhares de refugiados que fogem da guerra e da miseria. Por uma resistência global contra o autoritarismo e capitalismo.

Viva a Resistência dos Povos! Viva a solidariedade Internacionalista!

Referências do documento:
[1] – Dichas elecciones fueron anuladas debido a la imposibilidad de llegar a un acuerdo entre los partidos políticos para formar gobierno, repiténdose las elecciones generales el 1 de noviembre del 2015.

[2] – Toques de queda en el sudeste de Anatolia

[3] – AKP Government Widens Purges in Universities by Decree Laws

[4] – The ongoing unlawful state practices against the HDP

[5] – Revocation of HDP Co-chair Ms. Yüksekdağ’s parliamentary membership is unacceptable

[6] – HDP – Invitation for Observing the Referendum

Documentação complementar:
– Huger Strike Prision 2017 (Spanish Version) by KNK (Kurdish National Congres)

– Turkey Report by International Amnesty https://www.amnesty.org/…/europeand-c…/turkey/report-turkey/

http://bit.ly/2oWO070

Comunicado original: Rojava Azadî

Comunicado para o 8 de Março

A propósito da Paralização/Greve Internacional de Mulheres do 8M, a COMISSÃO DE MULHERES da Plataforma de Solidariedade com os Povos do Curdistão, também não se cala.

Somos um grupo de mulheres que se une em solidariedade às Mulheres do Curdistão, inspiradas pela sua própria luta contra o sistema dominante de expressão machista/capitalista/imperialista. Os movimentos feministas curdos têm um papel central em toda a revolução social que se desenvolve em torno da proposta curda libertária do confederalismo democrático, uma proposta que coloca a liberdade de género e o ecologismo no seu centro. Num interessante e complexo sistema de organizações que vão desde o plano ideológico, político, cultural, social, económico e de autodefesa legítima, incluindo a expressão da juventude, que se organiza igualmente em lógica confederalista, para dar voz a todas as mulheres nos diversos campos de luta, estes movimentos lutam contra as formas físicas e estruturais através das quais se manifesta a violência contra as mulheres(violações, circuncisões, lapidações (apedrejamentos), execuções,etc.).
Face à situação actual de conflito existente nos territórios curdos, que afecta de maneira especialmente violenta e feroz as Mulheres curdas e do Médio Oriente, juntamo-nos e organizamo-nos como forma de apoiar as suas lutas, desde uma perspectiva feminista. Esta ligação remete-nos e inspira-nos também para tomarmos parte activa na nossa própria pesquisa e desconstrução das diversas expressões do patriarcado na realidade que vivemos, a partir dos nossos corpos e dos nossos espaços, e da intervenção sobre as mesmas a partir de perspectivas feministas próprias e próximas. Perceber e reflectir sobre a nossa condição, a condição de ser mulher num território designado como “Portugal”, reconhecendo a fundo as raízes da construção do machismo e do patriarcado capitalista neste país, expressão dos diversos colonialismos que ainda hoje vivemos. A nossa solidariedade e procura de espaços de discussão estende-se e procura ligar-se às companheiras de todo o mundo que cá vivem e aos diferentes feminismos, numa procura de construir soluções colectivas.
A Comissão de Mulheres da Plataforma de Solidariedade com os Povos do Curdistão está com todas as mulheres que levantam a voz contra o sistema que nos tenta silenciar e tornar invisíveis as várias formas de dominação a que estamos submetidas! Não nos Calamos! Um mundo livre e igual só pode nascer da libertação de todas as mulheres, tal como o vemos nascer pelas mãos das companheiras que estão na frente da revolução social curda.

“Cada mulher livre é um território livre” (Comunicado do YPJ sobre o 8 Março)

JIN JÎYAN AZADI
A MULHER, A VIDA, A LIBERDADE

8 de Março de 2017

Apresentação

O Curdistão é um território centrado na região da Mesopotâmia que, sem autonomia nem representatividade internacional oficialmente reconhecida, é terra-mãe de mais de 40 milhões de curdos, curdas e outros povos de diversas expressões culturais, sociais e religiosas que, com um passado milenar, lutam pela conquista da sua autodeterminação e a preservação de uma rica e colorida herança histórica.

Dividido por fronteiras artificiais, o Curdistão está hoje ocupado a norte (Bakurê ) pela Turquia, a sul (Başûrê) pelo Iraque, a oeste (Rojava) pela Síria e a leste (Rojhilatê ) pelo Irão.
A história do movimento de libertação curdo, assombrada por alguns momentos de terríveis massacres e tentativas de genocídio, traduz-se em décadas de luta contra o terror de Estados ditatoriais apostados no extermínio de um povo orgulhoso e insubmisso.
Anos e anos de resistência e luta pela autodeterminação conduziram este movimento, nos dias de hoje, à afirmação e desenvolvimento do projecto de confederalismo democrático que dá corpo a uma nova proposta política alternativa e radical assente em três pilares: libertação da mulher, comunalismo e ecologismo.
Nas suas múltiplas frentes e territórios de conflito e opressão a luta curda, e dos seus aliados de outras minorias, gerou um movimento internacional de solidariedade que, em todo o mundo, se fortalece de dia para dia.

O interesse de várias pessoas e movimentos pela causa curda despertou com a determinação e coragem das guerrilheiras e guerrilheiros – onde as mulheres desempenharam um papel determinante – que na Síria, em 2014, travaram em Kobanê a escalada do terror promovido pelo auto-proclamado Estado Islâmico em Rojava.

Bandeira do Grupo de Comunidades no Curdistão (Koma Civakên Kurdistan, em curdo).

As mulheres, auto-organizadas há décadas, saem na linha da frente da revolução social curda, marcando a luta pela sua libertação das amarras do patriarcado e da mentalidade machista dominante, levando assim à libertação da sociedade. Se hoje ouvimos falar de revolução curda muito se deve ao papel preponderante destas mulheres que nos mostram que é possível um mundo diferente.

Na Turquia, os mais recentes acontecimentos contribuem para alavancar no Mundo, os movimentos e acções de solidariedade para com a causa curda. Na história do terror imposto pelo Estado ditatorial islamo-fascista de Erdogan sobre um quinto da população do país, os últimos anos ficam marcados pelas piores razões: as acções militares em Bakurê, arrasaram bairros inteiros em cidades e vilas de maioria curda. O regime, com a cumplicidade dos demais países da NATO, retomou uma guerra indiscriminada contra o povo, tentando silenciar as vozes da revolta. Nada nem ninguém parece escapar ao terror generalizado: activistas e inocentes são assassinados; dezenas de milhares de pessoas são presas; jornalistas, professores e funcionários são impedidos de trabalhar; representantes do povo, democraticamente eleitos, são destituídos e perseguidos; agências de notícias, televisões, jornais e organizações democráticas são encerradas.

Contribuindo para o desconhecimento e confusão geral sobre o que se passa nestes territórios, muitos meios de comunicação preferem ignorar ou distorcer a realidade da tragédia – e heróica resistência – curda, consoante as suas próprias agendas políticas e interesses económicos.
Mas não impedirão que um cada vez maior número de pessoas adiram à causa da solidariedade para com os povos do Curdistão. Já somos muitas/os as/os que olhamos para Mário Nunes como um exemplo e herói. Ao honrarmos a memória deste compatriota que em 2016, como voluntário na Síria, deu a vida pela urgência do combate contra a barbárie do Estado Islâmico estamos a expressar a nossa gratidão por todas as mulheres e homens, não tão longe quanto se pensa, defendem os nossos valores e a nossa própria existência.

Nesse sentido surge a necessidade de construir e afirmar em território nacional uma plataforma que amplifique esta mensagem e construa pontes de solidariedade entre os povos de Portugal e do Curdistão.

Janeiro de 2017